Monografias
Algarve
«…Caia-se tudo. Caia-se o lar e os degraus. Caia-se sempre. É um delírio branco. Subo à soteia - a melhor parte da casa. o homem de Olhão tem por ela uma paixão estranha. Se o vizinho ergue, ele nunca fica atrás - levanta-a logo mais alto. É que a soteia é o seu encanto: sítio esplêndido para respirar, eira para a alfarroba e o figo, e o quarto para dormir no Verão sob um pedaço de vela...»
Aveiro
“As armas com que os civis se armaram em Lisboa, aquando da Revolução de 5 de Outubro de 1910 – se não a totalidade, pelo menos boa quantidade – foram desembarcadas na costa de Furadouro, tendo estado envolvidos na operação António Valente de Almeida, Manuel Gomes Pinto, Manuel Augusto Nunes Branco e André Avelino Teixeira de Castro (guarda-fiscal)” (Alberto Sousa Lamy, Monografia de Ovar, Vol.II, pg.383). Quando chegaram a Aveiro os rumores da Revolução de 5 de Outubro, em Lisboa, “o berço da liberdade – assim se referia a cidade de Aveiro – não se manifestou, não veio à rua de armas na mão, em defesa ou das velhas instituições ou da causa da República.” (O Campeão das Províncias, nº 6001, de 8-10-1910). Este jornal, em atitude de prudente expectativa, justificava: “Aveiro, que não decidiria do triunfo, assistiu serena até ao fim, ao desenrolar do sangrento combate, ávida de notícias que ainda hoje se não conhecem desde o início em todos os seus pormenores.” (...) “Assim, desde as primeiras horas, desde o primeiro momento, se procurava obter informações que nem o telégrafo nem os jornais, nem mesmo os passageiros dos comboios que, provindos do sul, tocam na estação dos caminhos de ferro da cidade, conseguiram trazer-nos.”
Beja
As ideias republicanas circulam no distrito de Beja praticamente desde a fundação do Partido Republicano Português (PRP) em 1876. A criação em 1885, em Beja, do semanário republicano Nove de Julho, sob a direcção de Luís Vargas, o aparecimento do advogado bejense Gomes Palma, em 1890, a subscrever a convocatória de um congresso do PRP, na qualidade de antigo membro do corpo consultivo do partido, a notícia sobre a eleição, em 1896, duma Comissão Municipal Republicana em Ourique, o que revela a existência dum Partido Republicano com alguma estrutura organizativa no Baixo Alentejo, são três bons exemplos demonstrativos da implantação republicana nesta região do Sul do país no período subsequente à constituição do PRP. A esta expansão do republicanismo no distrito não são estranhos dois factos. A relativa facilidade com que no início do século XX se vai de Beja a Lisboa, o centro do mundo português da altura onde fervilha tudo o que são ideias novas e avançadas, em virtude da ligação ferroviária existente entre as duas cidades, e o regresso a terras do Sul daqueles, filhos de lavradores e proprietários, que tinham saído como alunos e que após o Ultimatum regressam como licenciados em Medicina e Direito.
Braga
A especificidade da cidade e região bracarense, no quadro da construção da ordem e regime republicano de 1910, decorre essencialmente da dimensão da expressão dos elementos da cultura religiosa tradicional, desenvolvimento e enquadramento eclesiástico, que nos alvores do século XX mantém ainda o seu vigor histórico, reforçado mesmo por meados do século XIX. Em Braga, cidade e sua região e diocese, as instituições políticas de ordem eclesiástica e diocesana disputam o mais forte enquadramento das populações urbanas e rurais à ordem política, civil e administrativa pública. Mas tal especificidade decorre também dos termos que ao longo da História assumiram em Braga os confrontos da expansão e proeminência das ordens políticas concorrentes, designadamente a partir do século XVIII com o absolutismo monárquico regalista e com o constitucionalismo monárquico demo-liberal. Mas desde os tempos da fundação do senhorio temporal bracarense no século XV, passando pelos do despotismo pombalino, a história das relações da Igreja e da sociedade tradicional bracarense com a ordem monárquica e civil é de diplomáticos e violentos confrontos.
Bragança
O distrito de Bragança não ficou incólume às vicissitudes do chamado rotativismo monárquico, nem se eximiu às consequências do evoluir do Partido Republicano Português, com mais evidência na sua versão Partido Democrático. Entre extremos polarizados, os bragançanos foram construindo os equilíbrios possíveis. Bragança acompanhou com proximidade a implementação das medidas que integravam o ideário republicano: desenvolveu, rapidamente, o registo civil com a criação de uma rede de postos que cobriram o mapa do distrito; colaborou activamente na criação de uma rede escolar de ensino primário, instrução secundária e formação de professores, esteio fundamental na prossecução dos ideais de instrução, educação e cultura republicanas; foram criados, até 1913, postos da Guarda Nacional Republicana em todos os concelhos. Este movimento foi sendo acompanhado pela crescente criação e desenvolvimento de associações, centros, clubes e sociedades nos mais diversos sectores desde a agricultura à economia e da cultura ao lazer e aos incipientes fenómenos desportivos.
Castelo Branco
Para algumas personalidades monárquicas beirãs, o fim da Monarquia era previsível e estava próximo. Para os poucos republicanos beirões que se faziam ouvir, era necessária uma nova administração redentora e surgem as primeiras vozes a denunciar a podridão da Monarquia, entre eles Barros Nobre e Gastão Correia Mendes. As ideias republicanas circulavam naturalmente pela Beira Baixa e teriam alguns adeptos entre a juventude, a julgar pela aclamação de António José de Almeida em Janeiro de 1907 pelos alunos do liceu albicastrense, numa sua passagem pela cidade a caminho da Covilhã. Alguns conferencistas republicanos passaram por aqui, em 1908 Vieira de Almeida, em Junho de 1910 foi Borges Grainha, sendo recebido por figuras locais ligadas já aos ideais republicanos, os referenciados Barros Nobre e Gastão Correia Mendes. Os jornais monárquicos iam fazendo eco das ideias republicanas quando argumentavam contra elas, não se dando conta da publicidade dada. A própria situação política do final da Monarquia era a melhor propaganda a favor da República.
Évora
A notícia de que tinha havido um levantamento republicano em Lisboa chegou a Évora transmitida como um problema já quase sanado. O Notícias de Évora de 5 de Outubro de 1910 informava que o governador civil substituto tinha autorizado o jornal a transmitir o conteúdo de um telegrama recebido por ele no dia anterior, pelas 5h, comunicando que houvera uma insurreição em Lisboa pelas 12h e 20mn, mas que esta estava quase completamente debelada. Os factos vieram, porém, contrariar as notícias. Poucas horas depois da publicação do jornal, a cidade era avassalada por um pequeno folheto da Comissão Municipal Republicana de Évora, dirigido genericamente Ao Povo, confirmando, sem possibilidade de dúvida, a proclamação da República Portuguesa e recomendando, “neste momento de extremada effervescencia que surge uma nova era para o nosso paiz, que a população eborense mantivesse a máxima calma” e não permitisse qualquer alteração da ordem pública caso houvesse alguma tentativa de provocá-la.
Faro
No dia 5 de Outubro de 1910 – uma quarta-feira – as comunicações telegráficas entre Faro e Lisboa ficaram interrompidas. Donde, ignorar-se na capital algarvia o que realmente ocorria na capital do país. A cidade não deixou porém de fervilhar de boatos. Os mais curiosos acudiram à estação dos comboios, na esperança de obter notícias frescas por algum passageiro. Debalde, contudo. O mais que lograram saber foi que a partir de Vendas Novas a circulação ferroviária estava cortada, pelo que os comboios que chegavam a Faro apenas provinham de Beja. Era já noite quando enfim se ficou a conhecer com alguma segurança a proclamação da República em Lisboa. Muito povo acudiu então à Praça de D. Francisco Gomes, a Praça de Faro, como era mais designada (hoje Jardim Manuel Bívar). À frente dos manifestantes, segundo o articulista do Província do Algarve, encontrava-se “o entusiasta republicano operário João Henrique”, brandindo uma bandeira vermelha e verde que intentou arvorar na fachada do edifício do Governo Civil, sito na extremidade sul da praça, incrustado na muralha e contíguo ao magnífico Arco da Vila erguido nos inícios do século XIX, segundo projecto do arquitecto italiano Fabri.
Guarda
A participação de Afonso Costa e de outros conspiradores como António José de Almeida, António Maria da Silva, João Chagas, José Relvas, Machado dos Santos, Ricardo Durão, entre outros, foi essencial quando à meia-noite de 4 de Outubro se reuniram no centro operacional da Revolução, no edifício dos Banhos de S. Paulo, muito próximo da Câmara Municipal de Lisboa, onde horas depois haveria de ser anunciada a revolta numa das varandas deste edifício, num ritual que a história republicana repete todos os anos. Esse dia luminoso chegou à Guarda em 6 de Outubro, já ao final da tarde, quando Arnaldo Bigotte recebeu um telegrama de Lisboa que dava conta da constituição do Governo Provisório presidido por Teófilo Braga e o indigitava a ele como governador civil e representante local da nova ordem política. A notícia era dada pelo jornal local O Combate, que em edição de 8 de Outubro, em grandes parangonas, escrevia o seguinte: Viva a República Portuguesa! Enfim! Redimida, Gloriosa, Vitoriosa! A Pátria a caminho do futuro, viva o Povo Português! Salvé – 5 de Outubro de 1910.
Leiria
Se a clivagem entre monárquicos e republicanos era, a nível da imprensa, aparentemente insanável, também os próprios monárquicos se combatiam. Na cidade as acusações não passavam da “guerra de caneta”, mas nos arredores tornavam-se usuais os distúrbios motivados por vinganças entre os diferentes caciques locais, sobretudo nas feiras ou em festas de arraial, digladiando- -se O Leiriense e o O Districto de Leiria nas acusações das causas dos motins e da sua repressão, sendo comum que tanto dirigentes monárquicos oposicionistas, como republicanos se envolvessem entre si e todos contra as forças no poder. Já na Marinha Grande, os problemas ganhavam uma outra dimensão. A crise continuada na Real Fábrica de Vidros, o desemprego, a falta de pagamentos e a fome, criavam ali uma situação verdadeiramente dramática e explosiva. As acções humanitárias, por iniciativa de monárquicos e republicanos, para além de boas vontades sinceras, motivavam ora apelos, ora críticas ao Governo. A este propósito, o Leiria Ilustrada denunciava as conesias rendosas e traficâncias várias dos regeneradores no poder, aproveitando para apelidar o O Districto... como um dos órgãos mais reaccionários do País.
Lisboa
Dentro do espírito de glorificação do novo regime e dos valores republicanos aliados à exaltação do patriotismo nacional e dos seus heróis, enquadram- -se as comemorações do dia 5 de Outubro. Estas constituíam momentos de celebração nacional. Os festejos oficiais realizavam-se sempre em Lisboa, berço da República. As festas do primeiro aniversário da República, em 1911, foram as mais deslumbrantes, acorrendo à capital muito povo para assistir e participar. O programa de comemorações iniciou-se à meia noite do dia 3, data das mortes de Miguel Bombarda e Cândido do Reis; de manhã, multidões de pessoas percorriam as principais avenidas e ruas de Lisboa que se encontravam enfeitadas. No dia seguinte, houve uma parada militar na Rotunda e o presidente da República, Manuel de Arriaga, efectuou o lançamento da 1ª pedra do Monumento da República. No dia 5, de manhã, descerrou-se a lápide comemorativa da implantação da República nos Paços do Concelho e, à tarde, realizou-se um imponente cortejo cívico do Terreiro do Paço à Rotunda, integrado por todas as forças vivas da cidade: associações profissionais, cívicas e culturais; a maçonaria; escolas; asilos; a Armada e o Exército.
Madeira
No dia 7 de Outubro não se hasteou qualquer bandeira em São Lourenço, embora no dia anterior tivesse sido transmitido às unidades militares o telegrama do ministro da Guerra, sendo a republicana hasteada na fortaleza de Santiago, quartel da Artilharia. A bandeira fora hasteada às 9h30 com salvas e não às 8 horas, conforme a ordenança. Pelas 11h30, uma força de Infantaria 27 saiu do quartel do Colégio armada e, de baioneta calada, dirigiu-se para junto da fortaleza de São Lourenço, estacionando no Largo da Restauração, frente à porta da mesma fortaleza, onde se encontra hoje o Museu Militar. Em breve outra força saía do mesmo quartel do Colégio para o mesmo local. Estas forças não haviam aceitado o comando de qualquer oficial e não responderam aos apelos do capitão Henrique Luís Monteiro para regressarem à unidade. O jovem Gregório Pestana Júnior, recém- -nomeado administrador do concelho, aparecia entretanto e, subindo a um dos bancos do passeio público, apelou à ordem e prometeu resolver a situação. Dirigindo-se à Rua João de Tavira, trouxe do Governo Civil uma bandeira, que entregou ao tenente Vasconcelos e que foi de imediato hasteada.
Portalegre
A notícia da revolução triunfante chegou a Portalegre às 18.30 horas de dia 5 de Outubro de 1910. O Intransigente inseria uma nota intitulada “Que há em Lisboa?”, noticiava a morte de Miguel Bombarda, que estava em marcha uma revolução e havia uma bandeira republicana hasteada no Barreiro. Grupos de populares soltando vivas à República começaram a concentrar-se junto ao Governo Civil. Baltasar Teixeira entrou no edifício e hasteou na varanda a bandeira republicana, pronunciando uma breve saudação. Forma-se então um cortejo em direcção aos Paços do Concelho, onde se repetiu idêntica cerimónia. A banda dos bombeiros juntou-se à multidão tocando “A Portuguesa”. Da Praça do Município saiu uma manifestação que percorreu as principais ruas da cidade, levando o povo Baltasar Teixeira e José de Andrade Sequeira em triunfo, gritando vivas e lançando foguetes. A imprensa calcula os manifestantes em quatro mil. No Centro Democrático de Portalegre teve lugar uma sessão de regozijo, usando da palavra Frederico Porto, Baltasar Teixeira, Francisco Brito e Diogo Vitorino Testa.
Porto
No dia 5 de Outubro de 1910, os jornais portuenses pouco adiantavam sobre o que ia acontecendo em Lisboa. Nos jornais fala-se de “boatos”. Explicavam que a pouca informação se devia à falta de comunicações telegráficas e telefónicas entre o Norte e o Sul, falha que já começara na noite de antehontem para hontem e que os boatos deveriam ter algum fundo de verdade pois as estações officiais nada transpiravam (O Comércio do Porto, 5 de Outubro de 1910). Só podemos imaginar hoje como seria a azáfama do pessoal a afixar (em placares próprios, como se fazia à época) as novas informações que iam chegando. Num desses placares, afixara-se a seguinte notícia: Esta madrugada deu-se um principio de rebellião em que tomaram parte diversos militares. A viagem de el-rei, definitivamente adiada. (O Comércio do Porto, 5 de Outubro de 1910). Na verdade, D. Manuel II não viria mais ao Porto. Parte para o exílio nesse mesmo dia. No dia seguinte, a 6, é proclamada a República na cidade. Pragmaticamente, os jornais acolhem o novo regime. A 7 de Outubro, O Comércio do Porto publicou, na primeira página, os nomes dos elementos do Governo Provisório.
Santarém
Santarém, urbe de memórias milenares, amiúde bastião de liberdades, não soube (ou não pôde) preservar os seus mais importantes vestígios do período republicano, cujas reminiscências parecem ter-se ocultado sobre os ouropéis do Estado Novo ou do curso vigente da sociedade do consumo pós-contemporânea. (...) Efectivamente, não deixa de constituir uma surpresa para quem aborda a cidade na perspectiva da história do republicanismo a quase inexistência de memórias dos lugares, eventos ou personalidades que estiveram ligados à génese, implantação e afirmação da República, no fundo a instância histórica do actual regime. E isto é tanto mais surpreendente quanto Santarém foi palco e matriz de alguns dos principais acontecimentos que marcaram o período republicano, espaço de resistência republicana no tempo de Salazar, lugar de perseguição no tempo do Movimento de Unidade Democrática (MUD), apoiante de Humberto Delgado nas eleições de 1958 e ainda “ponta de lança” da agenda do 25 de Abril de 1974 (que na sua história tem como militar de relevo Salgueiro Maia).
Viana do Castelo
Em 1910, houve que esperar vários dias pela instalação duma comissão administrativa republicana, e dela faziam parte dois padres. Todavia, a revolução republicana trouxe uma grande instabilidade política. Foi uma mudança radical de regime, que não apenas de Governo, levada a cabo por pessoas com programas ideológicos bem marcados, com a agravante de serem mesmo pessoas com mais de um programa ideológico e muitos deles desencontrados entre si . Todavia, a ideologia republicana era já conhecida em Viana do Castelo antes de 1910, embora de modo um tanto difuso. Segundo o aristocrata João Gomes de Abreu e Lima, foram precursores da República em Viana do Castelo, doutrinando oralmente o povo, Francisco Valença, e mais seis homens de quem apenas refere os apelidos: um Esteves, um Lisboa, um Alves Leão, um Rodrigues da Silva, um Viana Patronilho e um Antunes Viana. Todavia, aqui como por todo o país, a proclamação da República não surpreendeu ninguém.
Viseu
No caso de Viseu, podemos dizer, aliás, como mera curiosidade, que a revolução não apanhou desprevenidos os republicanos da cidade, dado que a primeira notícia da sua vitória em Lisboa não chegou por telégrafo, mas sim através de um passageiro de comboio que regressava da capital. O periódico socialista e republicano A Voz da Oficina, de 8 de Outubro de 1910, descreveu com invulgar minúcia a forma como se comemorou em Viseu a proclamação da República e fez questão de lembrar que os republicanos desta cidade mesmo antes da confirmação oficial da vitória (por telégrafo), na madrugada do dia 6 de Outubro, já estavam prevenidos: “já no comboio da noite do glorioso e histórico dia 5, um passageiro que nele regressava a Viseu, o Sr. Álvaro Borges Soeiro, se sabia que o triunfo dos republicanos era certo”.